Mitologia Suméria 
A  literatura criada pelos Sumérios deixou uma profunda impressão nos  hebreus, e um dos aspectos mais fascinantes de reconstruir mitos e  poemas épicos mesopotâmicos consiste em traçar as semelhanças, oposições  e paralelos entre as criações hebraicas e sumérias. Deve-se salientar  que " os sumérios não poderiam ter influenciado diretamente os hebreus,  pois haviam como povo deixado de existir muito antes dos povos hebreus  começarem a existir. Mas há muito poucas dúvidas de que os sumérios  influenciaram profundamente os cananeus, que precederam os hebreus na  terra hoje conhecida como a Palestina" (Kramer, Samuel Noah, History  begins at Sumer, Chicago University Press, 1981:142). Alguns dos mais  explícitos paralelos são os seguintes:
A.- Tomemos, em primeiro  lugar, o mito de Enki e Ninhursag. Enki, o deus das águas doces, da  mágica e da sabedoria, encontra Ninhursag, a grande Deusa Mãe e por ela  se apaixona em Dilmun, o paraíso dos sumérios. Daí temos o primeiro  paralelo: a idéia de um paraíso divino, o jardim dos deuses, é de origem  suméria, e era conhecido como Dilmun, a terra dos imortais, situada a  sudoeste da Pérsia. Também é neste mesmo Dilmun onde os babilônicos, ou  seja, o povo semítico que conquistou os sumérios, localizaram a sua  terra dos imortais. Existem boas evidências de que o paraíso bíblico,  que é descrito como um jardim situado ao Leste do Éden, seja idêntico a  Dilmun, e um exemplo disso é que do paraíso bíblico fluem as águas dos  quatro rios importantes para a Antigüidade Clássica, inclusive o Tigre e  o Eufrates; 2) a irrigação de Dilmun feita por Enki e Utu, o deus Sol,  para satisfazer a um pedido de Ninhursag, com águas vindas do fundo da  terra tem paralelo bíblico, pois no Gênesis 2:6 está escrito que "mas  eis que uma névoa subiu do interior da terra e lavou toda a face do  solo". 
Após Enki Ter irrigado as águas de Dilmun, ele e  Ninhursag fazem amor, e por sucessivas vezes, Ninhursag dá à luz a  deusas-meninas, filhas dela e de Enki, mas em tempo recorde (9 dias) e  sem o menor trabalho ou dor. A Eva, da Bíblia, não teve a mesma sorte de  Ninhursag, tendo sido amaldiçoada com "partos na dor e no sofrimento"  (mais patriarcal do que isto, difícil!)! Estas três filhas de Enki e  Ninhursag crescem também em tempo recorde (9 dias).
Mas voltando  ao mito, quando Ninhursag sai de Dilmun (por motivo não tão claro no  mito), Enki faz amor com as três deusas - donzelas, mas abandona-as  logo, provavelmente pelas deusas - meninas serem apenas pálidos reflexos  de Ninhursag, o grande amor do mais sensual e volúvel dos deuses. Ao  voltar a Dilmun, Ninhursag tudo vê e entende, desta vez aconselhando a  jovem deusa Uttu a não se deixar levar pelo deus mais velho e  experiente. Mas Uttu não consegue resistir a Enki, arrependendo-se porém  depois, e indo até Ninhursag. Ninhursag aconselha Uttu a recolher o  sêmen de Enki de seu corpo e enterrá-lo na terra. Uttu assim o faz, e do  lugar escolhido nascem oito tipos de plantas. Enki volta e... agora  quer experimentar as plantas luxuriantes e desconhecidas que ele vê em  Dilmun. Guloso, ele devora os frutos das oito plantas. Ninhursag então  perde a paciência, e lança "o olho da morte" em Enki, que começa a  adoecer (oito partes de seu corpo ficam doentes, mais e mais a cada  dia). Teria sido Enki castigado por Ninhursag por Ter abusado de frutos  desconhecidos? Ao contrário de Eva no mito de Adão e Eva, aqui Enki, um  deus, é o guloso, e não uma mulher mortal.
Ninhursag volta quando  Enki está muito mal, e ela o cura, fazendo nascer oito deusas das  partes doentes do deus das águas doces. 
O mais notável, porém, é  que este mito fornece uma explicação para um dos motivos mais  intrigantes do mito de Adão e Eva da Bíblia, ou seja, a famosa passagem  descrevendo a criação de Eva a partir da costela de Adão. Vejamos o que o  emérito sumerologista Samuel Noah Kramer tem a nos dizer sobre isto: "  Por que uma costela, ao invés de qualquer outra parte do corpo para  criar a mulher cujo nome Eva, de acordo com a Bíblia, significa " aquela  que faz viver "? Se olharmos para o mito sumério, vemos que Enki adoece  pela maldição de Ninhursag, e que uma das partes de seu corpo que  começa a morrer é a costela. A palavra suméria para costela é "ti". Para  curar cada um dos órgãos enfermos de Enki, Ninhursag dá à luz a oito  deusas. A deusa criada para curar a costela de Enki é chamada de  ‘Nin-ti", "a Senhora da costela" [ Nin, em sumério, quer dizer dama,  senhora: Nota da autora]. Mas a palavra suméria "ti" também significa  "fazer viver". O nome "Nin-ti" pode, portanto, significar "a senhora que  faz viver", bem como "a senhora/dama da costela". Portanto, um  trocadilho literário extremamente arcáico foi levado à Bíblia e lá  perpetuado, mas sem o seu sentido original, pois em hebráico a palavra  para costela e para " aquela que faz viver" não têm nada em comum. Além  do mais, ao invés de Adão ter dado vida à Eva, é Ninhursag que dá sua  essência de vida a Enki, que então renasce dela" (Kramer, 1981:143-144).
Entretanto,  a maior parte dos paralelos da Mitologia Suméria com a Bíblia podem ser  encontrados no Gênesis. Tal qual descrito no Gênesis, o mundo sumério é  formado a partir do abismo das águas, e os céus e a terra são separados  um do outro por uma estrutura sólida. 
B.- Em A Árvore de  Hulupu, temos uma predecessora da Árvore do Conhecimento do Bem e do  Mal. Esta árvore especial é encontrada por Inana, que a leva e planta em  seu jardim para seu povo. Mas logo se alojam nas raízes da Árvore de  Hulupu um pássaro traiçoeiro e a deusa Lillith, a primeira esposa de  Adão, a deusa independente e toda-em-uma, que na minha opinião  representa o selvagem e inconquistável Poder do Feminino, tão temido por  alguns. 
C- Existem claros paralelos bíblicos na história do  Dilúvio, que antecede os judeus em cerca de 1000 anos. . Na versão  suméria, o piedoso Ziusuda é informado por Enki (sob artifício) que os  deuses querem destruir a humanidade.  Mas Enki/Ea instrui Ziusudra para  que construa uma arca, e salvar a si e aos que ama. Pássaros também são  mandados para procurar terra firme quando param as chuvas, etc. 
D.-  A Corte de Inana e Dumuzi e O Cântico dos Cãnticos -O Cântico dos  Cânticos de Salomão para a Rainha de Sabá é, sem dúvida, a passagem mais  romântica do Bíblia, um texto único, místico e sensual, totalmente  diferente de todos os outros textos do Velho Testamento. 
Entretanto,  se olharmos para a Mesopotâmia, poderemos traçar a origem d"O Cântico  dos Cânticos". Existem numerosos exemplos de textos mesopotâmicos cujo  conteúdo é normalmente chamado pelos estudiosos de canções de amor ou  poesia real cortês. Neles, em geral é a mulher que se aproxima do homem,  para dizer-lhe que deseja que ele lhe dê prazer, e que confia na  habilidade deste para ser seu amante e amado, e as personagens destes  poemas serem divinas ou quase divinas. Estes textos pertencem à tradição  suméria, uma vez que os grandes textos sumérios da tradição de Uruk  foram retomados durante a Terceira Dinastia de Ur, para dar origem a um  estilo literário cheio de palavras de sedução e conteúdo  erótico-amoroso, amplamente centrado na relação amorosa do rei e alto  sacerdote com a grande deusa do Amor e da Guerra, Inana/Ishtar, muitas  vezes representada pela alta sacerdotisa e princesa/rainha como a  representante viva de Inana/Ishtar na terra e consorte/esposa do rei. Os  dois representam, respectivamente, a deusa que traz fertilidade ä  terra, e o rei-sacerdote, ou o pastor sagrado e guardião da terra e do  povo. A mais querida canção de amor da Antiga Mesopotâmica chama-se "A  Corte de Inana e Dumuzi", onde o pastor-rei e sumo-sacerdote faz a corte  à sua amada, escolhida e rainha, Inana, a grande deusa do Amor e da  Guerra. "A Corte de Inana e Dumuzi" mostra também como era realizado o  Rito do Casamento Sagrado, onde a cada ano, no início da primavera, no  altar mais sagrado, o zigurate, o rei, o divino representante dos  homens, e a alta sacerdotisa de Inana se encontravam para se amar, e  fazer a terra florescer em todos os sentidos. E neste momento, eu  gostaria de render as minhas homenagens aos escribas judeus, que  retomaram este grande mito mesopotâmico, mas fizeram-no seu com o  encontro de Salomão pela sábia, apaixonada, corajosa e toda-em-uma  Rainha de Sabá. Sem dúvida, ela mesma uma valerosa vestimenta mortal de  Inana, vinda da Etiópia. 
Outra evidência histórica é que Ur, o  grande centro literário da Mesopotâmia há cerca de 4.500 anos atrás, é a  terra do grande patriarca judeu Abraão, que de lá saiu para fundar  Israel. Portanto, os escribas judeus devem Ter tido conhecimento deste  estilo literário tão difundido Por outro lado, Salomão, sendo também um  sábio (semelhante a Adapa?) deve Ter conhecido as canções de amor  mesopotâmicas. Um tributo aos escribas judeus e a Salomão pela  maravilhosa canção de amor que escreveram, sem dúvida uma das mais  lindas da história da humanidade. Que bom que eles aprenderam tão bem o  lado mais apaixonado dos mesopotâmicos!
E.- A unção de Jesus Cristo pela Mulher com Vaso de Alabastro e a Sagração de Sacerdotes-Reis 
O  direito ao trono, que era um dom sancionado pelos deuses e deusas, e o  rito de consagração de Dumuzi, o rei-pastor, por Inana, a deusa é  descrito em pormenores na "Corte de Inana e Dumuzi". A unção de futuros  reis que se sacrificavam pela comunidade pela Alta Sacerdotisa e  Princesa Real ou Rainha fazia parte da tradição do Oriente Próximo, e  como tal, devia ser do conhecimento dos primeiros cristãos.  Provavelmente por este motivo é que os evangelistas Lucas, Mateus e João  mencionaram a unção de Jesus pela dama do jarro de alabastro em seus  evangelhos do Novo Testamento da Bíblia. Em Mateus (26:12-13), é com as  seguintes palavras que Cristo reconhece o ato de ter sido ungido com o  caro óleo da misteriosa dama do vaso de alabastro:
"Por isso,  derramando ela este bálsamo sobre o meu corpo, fê-lo como para me  sepultar. Em verdade vos digo que em toda parte onde for pregado este  Evangelho para todo o mundo, publicar-se-á também para sua memória o que  ela fez." (Bíblia Sagrada, traduzida pelo Pe. Matos Soares, Ed.  Paulinas, 1964).
Uma leitura aprofundada mostra-nos que tanto  Jesus como aquela que o ungiu estavam conscientes do ritual de sagração  de reis sagrados, o pastor real que pode ser levado ao sacrifício para o  bem da terra e do povo, e é esta honra e responsabilidade que Jesus  aceita, honrando também àquela que lhe confere tal distinção. 
F-  O relato mais antigo sobre o dilúvio é bem mais anterior do que o do  Velho Testamento da Bíblia, e encontra-se no Épico de Gilgamesh (ver  encontro de Gilgamesh com Utnapishtim em Sumério, que é Ziusudra em  Babilônio e Assírio) e no mito de Athrasis (a ser incluido neste site)
Para terminar (existem muitos outros paralelos, mas desta vez vou  ficando por aqui) temos Ezekiel 8:14, onde o profeta vê mulheres de  Israel chorando por Tamuz (Dumuzi) durante uma seca.